André Marenco*
Há um senso comum, verbalizado em uníssono coro pela ortodoxia liberal e pela ortodoxia marxista: vivemos a era da decadência democrática, as ideologias estão ausentes da competição eleitoral, os partidos são todos iguais. Liberais ortodoxos falam em mercados econômicos internacionalizados, que reduzem os graus de liberdade de governos representativos, e os condenam a administrar políticas semelhantes. Marxistas –ortodoxos ou não- cultivam defesa do fim da propriedade e a crítica aos limites das instituições representativas, embora não possam oferecer um exemplo sequer de experiência em carne e osso, que tenha combinado sufrágio universal, pluralismo político e participação ampla, fora de economias de mercado e além de democracias representativas.
Todos os governos são iguais? Executam as mesmas políticas? Podemos responder a esta pergunta observando as políticas adotadas por diferentes governos no mundo: diante da crise na economia internacional, Barak Obama adotou um pacote anti-cíclico que ampliou o gasto público, seguido por uma reforma que universalizou o sistema de saúde norte-americano e finalmente, impôs legislação regulatória ao sistema financeiro. Em contraste, Cameron e Merkl respondem, com políticas de disciplina fiscal, corte nos gastos públicos e redução em programas sociais. Podemos dizer que estas políticas são iguais?
Ortodoxos (liberais ou marxistas) cometem o mesmo erro: observam a política a partir dos mexericos diários que partidos e candidatos verbalizam entre si. Sem dúvida, ao buscar votos que lhes garantam os cargos políticos, partidos disputam eleitores centristas e moderados, pasteurizando seus discursos eleitorais. Contudo, não é nos discursos que a política real e as diferenças efetivas se revelam. Elas devem ser encontradas nos orçamentos de cada governo. Todos falam em austeridade fiscal, mas qual é a escala do gasto público em governos liberais e governos de esquerda? Todos falam em programas sociais, mas qual percentual do orçamento é destinado para estes programas em governos liberais e governos de esquerda?
Comparando a estrutura do gasto público entre o final do governo Cardoso e os dois governos Lula da Silva, ficam evidentes as diferenças nas prioridades orçamentárias segundo preferências partidárias: Como esperado, o gasto público total registra um crescimento de 29,8% ao longo destes dez anos. Contudo, dos 4.2 pontos percentuais de incremento, nada menos do que 3.6 pp foram gerados por rubricas “sociais”: INSS (sobretudo pensões e aposentadorias), gastos com programas sociais, saúde e educação. A variação observada no investimento em políticas sociais é suficientemente sugestiva acerca da inflexão produzida por preferências partidárias sobre o orçamento público: mais 200% em saúde e educação e 217% nos programas sociais.
As diferenças que ortodoxos (liberais e marxistas) afirmam não ver, são enxergadas com muita clareza pelos eleitores comuns: empresários do agronegócio usam seu voto para punir políticas de valorização cambial que reduzem suas exportações; eleitores pobres usam seu voto para defender a continuidade de políticas sociais que ampliam sua renda. O senso comum da “intelligentsia” (ou seria “ignorantsia”?) liberal e marxista contrasta com a racionalidade do eleitor comum.
*Departamento de Ciência Política da UFRGS