Philippe Schmitter: O Brasil não precisa mais do corporativismo

Cristian Klein
Valor Econômico 

O estilo é excêntrico. Gosta de usar chapéu e costumava ser visto em automóvel multicolorido pelas ruas de Florença, na Itália, onde é professor emérito do European University Institute. O americano Philippe Schmitter, de 74 anos, é considerado um dos maiores cientistas políticos do mundo. Em 2009, ganhou o prêmio equivalente ao Nobel da área, o Johan Skytte Prize, da universidade sueca de Uppsala.



Tem opiniões firmes, taxativas. Mas não consegue encontrar resposta para o que chama de "mistério". O Brasil não se encaixa em suas expectativas. Na semana passada, Schmitter voltou ao país, onde esteve em 1967 para pesquisar sua tese de doutorado. À época, entrevistou líderes sindicais e analisou o corporativismo brasileiro, que persiste até hoje, para sua decepção e espanto.
Schmitter alega que não tem respostas pois há tempos não estuda o Brasil. Mesmo assim é incisivo. Afirma que o país precisa de mais pluralismo e critica instituições corporativistas - como Sesi, Sesc, o imposto sindical - que seriam resquícios "fascistas" da era Vargas. O quadro partidário e a legislação eleitoral seriam "caóticos", embora, admita, tenha informações de que o sistema político brasileiro funcione bem.
A capacidade intelectual de Schmitter está à altura de ideias polêmicas, entre as quais métodos para aperfeiçoar a democracia como loteria e o direito de voto para todos os cidadãos, incluindo os bebês.
Em São Paulo, Schmitter participou de conferência organizada pelas associações internacional e brasileira de ciência política - IPSA e ABCP - e pelo European Consortium for Political Research. Bastante requisitado, antes de conceder esta entrevista proferiu duas palestras, na FGV e no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), onde tentava contatar um velho conhecido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Valor: Por que o corporativismo seria tão ruim para o Brasil?
Philippe Schmitter: Eu não diria ruim, não é essa a implicação. Mas a expectativa comum é, ou foi até recentemente - na verdade, estive envolvido na mudança dessa visão - que quanto mais os países se desenvolvem, maior é o crescimento na divisão do trabalho, maior é a especialização, e há mais formas complexas de produção etc. Desenvolvimento representava isso, o que remonta a Durkheim, a Adam Smith. A estrutura socioeconômica, ao se tornar mais complexa, produziria um padrão pluralista de grupos de interesse. E os grupos vistos originalmente como os mais unificados, por exemplo, a classe trabalhadora, começariam progressivamente a se fragmentar em diferentes setores, profissões, técnicas. Essa expectativa se baseou na experiência dos Estados Unidos, Canadá e outros países.


Valor: Por que o Brasil deveria seguir o mesmo caminho?

Schmitter: O Brasil tem duas características a mais que o favoreceriam a se tornar ainda mais pluralista: uma variedade de grupos étnicos e religiosos e uma variedade de subeconomias regionais, traduzida na expressão Belíndia, uma mistura de Bélgica e Índia. Ou seja, tudo indicava que o Brasil era o país em desenvolvimento perfeito do Terceiro Mundo para um sistema de interesses pluralistas. Mas continuou e está praticamente sozinho neste sistema corporativista.

Valor: E por que continuou?
Schmitter: É obviamente fácil de entender porque [Getúlio] Vargas no Estado Novo impôs esse sistema. Era muito comum nos anos 1930. Ele copiou de [Benito] Mussolini [ditador da Itália entre 1922 a 1943]. A primeira questão difícil é: por que isso sobreviveu nos anos 40, 50 e persistiu até o golpe militar de 1964? Eu consigo entender porque a ditadura militar gostaria de continuar esse sistema. Na verdade, os militares o ampliaram para as áreas rurais, porque o sistema de Getúlio era apenas para as áreas urbanas. Não havia sindicatos rurais. Foram os militares que os criaram, pois queriam controlá-los.

Valor: Em sua origem, o corporativismo tem essa característica: a de controlar o conflito social.
Schmitter: Neutralizar e controlar a formação de associações de classe etc, pelo Estado, normalmente por um ministério como o do Trabalho. No caso do Brasil, esse foi o instrumento. O que me intriga é que, agora, mais uma vez, houve uma redemocratização do Brasil, que é ainda mais profunda e significativa do que a de depois de 1945, e a pergunta é: por que o Brasil não mudou do corporativismo para o pluralismo? Por que sobreviveu todo esse aparato, expresso, por exemplo pelo imposto sindical, mas também por outros tipos de instituições como Sesi, Sesc etc. Mais peculiar ainda é o fato de o antigo Lula ter sido um oponente, o qual acho, não tenho certeza, entrevistei, pois conversei com vários líderes sindicais em São Paulo, quando estive aqui em 1967. [Lula tornou-se dirigente sindical, pela primeira vez, em 1969, como suplente, e em 1972, como titular].

Valor: E por que o Brasil não mudou?
Schmitter: Não tenho uma resposta, porque não estou estudando mais o país. Mas se você pegar o México, que tinha um sistema muito parecido, iniciado em 1936, a democratização representou a desintegração do modelo corporativista.

Valor: Quais são os principais sinais de pluralismo no México?
Schmitter: As associações se tornaram voluntárias, você não precisa contribuir para elas, como se faz no imposto sindical. Você escolhe ser representado ou não e, em muitos casos, você tem mais de uma instituição representativa, há uma oficial e outra não oficial, ou várias. No Brasil, os capitalistas podem escolher a Fiesp ou sua associação não corporativista. Há uma forma de pluralismo para a burguesia. Mas não há para os trabalhadores.

Valor: Em países europeus, como os nórdicos, o corporativismo, denominado societal, também prevalece, mas não é do tipo estatal, como no Brasil. Qual é a diferença básica entre os dois? Por que no Brasil o modelo não é benéfico?
Schmitter: Lá, a diferença básica é que a estrutura de representação de interesses ainda é monopolista e hierárquica, como no Brasil, mas é voluntária. É produzida pela escolha livre dos trabalhadores e capitalistas. O sistema é formalmente voluntário, mas gera incentivos que tornam a associação quase compulsória. É muito difícil para um trabalhador sueco, por exemplo, não ser um membro de um sindicato. Porque os sindicatos oferecem uma série de serviços, de empréstimo, habitação, cobertura para o desempregado. A filiação é voluntária, mas está tão enraizada em políticas públicas que você não pode ficar fora. Já o corporativismo getulista, ou de Mussolini, é autoritário.

Valor: No entanto, há uma tese corrente de que o modelo corporativista brasileiro teria ajudado o país a enfrentar a grave crise econômica mundial de 2008. O que o senhor pensa sobre esse argumento?
Schmitter: Não tenho a menor ideia. Para responder a essa questão eu teria que saber que tipo de comportamento se deu. A resposta mais comum é a existência de pactos sociais, ou seja, acordos explícitos, negociados. Mas tipicamente, em sistemas de corporativismo estatal, não há coisas assim, o Estado impõe. Por exemplo: o sistema brasileiro de relações industriais é inteiramente dependente do salário mínimo. É uma decisão do Estado, ratificada pelo Parlamento. Não é independentemente negociado entre capital e trabalho.

Valor: Para o senhor, a persistência do corporativismo brasileiro é bizarra. O quadro partidário e o sistema eleitoral seriam caóticos. No entanto, a economia se mostrou forte e o Brasil é considerado uma democracia consolidada.
Schmitter: O Brasil é uma real democracia funcional. Mas seu componente mais caótico não são os grupos de interesse ou os movimentos sociais. São os partidos políticos. Vocês têm um sistema partidário e uma legislação eleitoral muito incomuns. Pessoas me dizem que o quadro partidário brasileiro não é tão caótico quanto parece, mas acho que vocês têm 17 partidos no Parlamento. Isso é absolutamente maluco. Apesar disso, e escrevi um artigo sobre o assunto, a qualidade da democracia, não só no Brasil, mas em outros lugares da América Latina, é melhor do que as pessoas pensam. Há obviamente exceções - a Bolívia é uma bagunça. E ninguém sensato esperaria que o Brasil se comporte como a Suécia.

Valor: O corporativismo, além de controlar e neutralizar o conflito social, foi visto como um instrumento para acelerar a industrialização e a modernização de países em desenvolvimento. Isso explicaria sua persistência no Brasil?
Schmitter: Essa é uma teoria muito associada a um romeno, Mihail Manoilesco, que foi muito, muito lido aqui no Brasil e que eu utilizei em meus trabalhos. Isso faria sentido nos anos 1930 e, talvez, nos anos 50, como uma desculpa. Talvez até tenha tido o seu efeito. Mas é irrelevante no momento atual. O Brasil hoje não precisa desse fóssil corporativista. O Brasil tem corporativismo porque foi herdado de um período anterior e é difícil se livrar dele. É uma situação de path-dependence. Por que o Brasil é tão dependente dessa trajetória? Não houve essa dependência na Espanha, em Portugal, no México ou qualquer outro lugar.

Valor: Como eles se livraram?
Schmitter: Muito facilmente. Tão logo você tem democracia e liberdade de associação, partidos políticos em competição, especialmente concorrendo pelo voto da classe trabalhadora, os socialistas, os comunistas, como na Espanha e em Portugal, você tem sindicatos socialistas e sindicatos comunistas. As instituições corporativistas prévias começam a se desintegrar, tornam-se não oficiais, não impostas, e passam a competir uma com as outras.

Valor: Por outro lado, o pluralismo é uma característica do sistema partidário brasileiro, considerado muito competitivo.
Schmitter: Que nada... É por isso que vocês têm 17 partidos. Talvez a resposta [para a persistência do corporativismo] seja que vocês tenham muitos partidos. O tipo de competição que fragmenta e destrói o corporativismo - que existe entre os capitalistas, mas especialmente entre os trabalhadores - não ocorre no Brasil. Porque vocês têm muitos fragmentos. Eu imaginaria que o PT, especialmente com a história de Lula, poderia ter sido o partido que competisse com outros partidos trabalhistas, um PTdoB ou qualquer sigla semelhante, a ponto de a competição levar à fragmentação do sistema, minando o corporativismo e abrindo espaço para o pluralismo nas organizações. Isso não aconteceu. Simples argumentos diriam que é por causa da cultura política brasileira. Isso é besteira. A explicação mais simples é que as organizações dos capitalistas e dos trabalhadores reforçam a trajetória dependente porque é bom para elas, querem continuar com o imposto sindical.

Valor: Até que ponto o pluralismo pode ser considerado um bom modelo para os tempos de prosperidade e o corporativismo, para as épocas de crise, como a de 2008?
Schmitter: Há uma hipótese tradicional de que quando você tem um "boom", que não é gerado pelo pluralismo como tal, o pluralismo permite uma espécie de flexibilidade para tomar vantagem desse momento. E o corporativismo, porque introduz regulações, restrições nos negócios, inibe. É uma hipótese que faz sentido.

Valor: O que o senhor está pesquisando atualmente?
Schmitter: Estou trabalhando em algo completamente revolucionário. Estou desenvolvendo um sistema de medida no qual posso pegar diferentes democracias e lhe dizer que tipo de capitalismo elas têm.

Valor: A democracia brasileira seria um ponto fora da curva?
Schmitter: Eu não estaria tão seguro... Mas nessa pesquisa estou estudando apenas os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as nações ricas.

Valor: O que há de revolucionário?
Schmitter: Há uma hipótese importante na literatura de variedades de capitalismo, que se baseia na noção de complementariedade institucional. Todo sistema capitalista pode se distinguir de outro sistema por um número de características: papel do Estado, governança corporativa, descentralização, papel das bolsas de valores, sistema de crédito etc. Eu meço oito variáveis no meu trabalho. A hipótese principal é que o que faz uma economia capitalista funcionar bem não é ter um tipo de instituição, mas ter instituições complementares. E a ideia é que há dois conjuntos de instituições complementares, ambas as quais funcionam bem, mas de forma diferente e que beneficiam as pessoas diferentemente. O primeiro é o capitalismo liberal, expresso pelo Consenso de Washington e que tem os Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália, Canadá como exemplos. O outro é o capitalismo social e cujos maiores representantes são Suécia, Dinamarca, Áustria, Finlândia, que são países corporativistas. Os dois sistemas têm instituições muito diferentes, mas que se complementam. Logo, o importante não é ter um sistema corporativista ou pluralista, mas se ele está inserido num conjunto de instituições. A segunda implicação dessa hipótese é que nos países de sistemas mistos as instituições não são complementares e, logo, seu desempenho será pior.

Valor: E isso se confirma?
Schmitter: Não. Essa é a hipótese que eu estou provando que não é verdade. Há capitalismos liberais e capitalismos sociais. Entre eles, pela minha medição, está provavelmente o país mais confuso, com a mais estranha mistura de instituições, que é o Japão. A predição, logo, é que o sistema japonês terá o pior desempenho.

Valor: Mas o Japão funciona bem, tem uma grande economia.
Schmitter: Não agora. Porque o Japão é o sistema capitalista com o pior desempenho após a crise. Ele costumava ter um bom desempenho, nos anos 1980 e 90. Agora, o capitalismo japonês está uma bagunça.

Valor: Por que isso aconteceu, as instituições japonesas mudaram desde 1980?
Schmitter: Esse é o ponto, não sei. Não estou medindo ao longo do tempo. Gostaria de fazê-lo, mas não tenho os recursos para tal. Mas veja a Coreia do Sul. Tem um sistema misto e está indo muito bem. A Alemanha também é um exemplo de sistema que não é liberal nem social. Mas tem instituições muito consistentes. A Alemanha e a Holanda saem da minha análise como sistemas híbridos e têm um desempenho muito bom. Ou seja, você não precisa ser liberal ou social. O pior é quando suas instituições são muito diversas, não complementares. É o caso da França e da Itália. A conclusão é que o capitalismo não é uma coisa boa ou ruim que depende apenas de uma instituição, mas de um padrão de instituições.

"A outra Era Vargas", por Wanderley Guilherme

Maria Cristina Fernandes, 
Valor Econômico

Dois anos antes do golpe de 1964, quando a esquerda embarcava na onda da revolução, Wanderley Guilherme dos Santos alertava num livro lendário (Quem dará o Golpe no Brasil, Civilização Brasileira, 1962) sobre a quartelada que estava em curso e que acabaria por sufocá-la. Meio século depois, quando a análise política predominante situa o governo Luiz Inácio Lula da Silva como continuador da herança varguista e já trata de delinear os atritos deste legado com o governo Dilma Rousseff, lá vem Wanderley Guilherme novamente na mão contrária. Aos 75 anos, continua com um facho na mão.Foi Lula, diz, quem, na verdade, encerrou a Era Vargas. Não fala a partir da Casa Rui Barbosa para cuja presidência ainda não foi oficializado. "A outra Era Vargas" é o tema da aula magna que profere hoje no início das atividades do Iesp, o instituto que, encampado pela Uerj, abriga os pesquisadores do antigo Iuperj fundado por Wanderley Guilherme no final dos anos 60.Recorre ao seu conceito de cidadania regulada, que se tornou um dos mais influentes da ciência política nacional, ao advogar para Lula a condição de coveiro da Era Vargas.

Cunhado no final da década de 70 (Cidadania e Justiça, Campus, 1979), o conceito define a cidadania não por um conjunto de valores políticos mas pela inserção formal no mercado de trabalho. Com Vargas, passou a ser cidadão quem tinha uma profissão regulamentada e pertencia a um sindicato. A carteira de trabalho, na comparação de Wanderley Guilherme, passou a ser, de fato, a certidão de nascimento cívico e acabou controlando a expansão da cidadania no Brasil.O primeiro ato de rompimento com a cidadania regulada, diz, aconteceu sob Médici, com a criação do Funrural. A abertura política ampliou o rompimento dessa regulação, mas foi apenas no governo Lula que seus pressupostos teriam sido sepultados.
Sem desmerecer o Bolsa Família, prefere lançar mão de um outro programa social, o Brasil Sorridente, para sustentar a tese de que não é preciso mais ser um torneiro mecânico para alcançar a cidadania. Segundo dados do Ministério da Saúde, as 18.650 equipes do programa haviam atendido, até 2009, 87 milhões de brasileiros que, até então, engrossavam os contingentes de desdentados que tanto envergonham a identidade nacional.Wanderley Guilherme saúda a desregulação da cidadania mas não acolhe com o mesmo entusiasmo o fim de um dos instrumentos de sua promoção, o imposto sindical. Seus opositores estariam filiados à interpretação de que Vargas domesticou o movimento sindical - "Não havia nada a ser domesticado, os sindicatos eram fracos; o que o imposto fez foi resolver o problema da ação coletiva num momento em que a esquerda era revolucionária, não queria fazer política nem se expor ao degredo pela ação sindical".Enquanto a cidadania era regulada pelo Estado, o imposto sindical, era, e continua sendo, privado. Ao contrário do fundo partidário, que é estatal, o imposto sindical é recolhido junto aos trabalhadores. Acredita que o sistema possa ser aperfeiçoado mas indaga o que aconteceria se caísse a compulsoriedade: "Os ganhos obtidos pelos sindicatos apenas serão usufruídos pelos filiados?".Diz que a oligarquização atinge tanto as organizações sindicais trabalhistas quanto as patronais, mas não acredita que o meio para combatê-la seja o fim do imposto sindical. Credita o engajamento da CUT e do PT na campanha pela sua extinção a uma compreensão enviezada da Era Vargas que pode jogar por terra um estímulo à ação política dos trabalhadores.Não acredita que o governo Dilma esteja contaminado pelo que chama de sentimento antivarguista conservador que hoje abriga CUT e PT. Cita a participação de empregados no conselho de administração das estatais, promulgada por Lula e regulamentada por Dilma, como um sinal eloquente de continuidade. "É um ato histórico porque tem a ver com a participação de trabalhadores no destino da mais valia e na definição dos investimentos que vão garantir empregos no futuro; é uma participação política crucial".Os limites da continuidade, diz, serão dados pela necessidade - mais premente agora do que o foi sob Lula - de se arbitrarem perdas.
É isso que está em questão na discussão da política antiinflacionária. A desregulação da cidadania só foi possível pelo rompimento com o preceito de que não era possível crescer sem inflação e desigualdade. Crescimento exige mais poupança interna e isso não rimava com distribuição de renda. Wanderley Guilherme diz que esta foi uma das mais espetaculares rupturas dos últimos oitenta anos visto que os dois antecessores que o superaram em avanço do PIB, Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, não conseguiram domar a inflação nem evitaram que a desigualdade aumentasse."Os radicais dizem que os bancos ganharam mais. É claro que os ricos ficaram mais ricos, mas os pobres ficaram menos pobres em maior proporção. Isso se deu porque o bolo cresceu e é possível que não o faça no mesmo ritmo neste governo. Dilma terá que impor perdas a alguns segmentos se quiser que a desigualdade continue a ser reduzida", diz.Terá ainda que se ver com o crescimento do potencial do eleitorado conservador - tema de seu mais recente artigo no Valor (30/09/2010) - decorrente da percepção da nova classe média de que, dados os limites à mobilidade social, solavancos sociais podem acabar por desalojá-la.Pelas medidas até agora tomadas, em relação ao salário mínimo, ao aumento do valor do bolsa família, ao programa de combate à miséria e às medidas antiinflacionárias, não vê uma arbitragem que rompa com o padrão de governo que a antecedeu.
O que ainda está por ver, na arbitragem das perdas, é o que Dilma fará para manter os pressupostos da competitividade internacional do país, o investimento em tecnologia e inovação. A ausência desse esforço sacrificaria um crescimento sustentado do país sem o qual todo o resto, desta e de outras eras, ficaria comprometido.


Reporter Esso em edição extraordinária

Ministério de Dilma segue cartilha de Lula


Cristian Klein,  Valor Econômico 
O PMDB reclamou, o PSB não ficou muito contente, mas o primeiro ministério da presidente Dilma Rousseff é tão proporcional ao peso das bancadas dos partidos aliados na Câmara dos Deputados quanto foi o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse é o resultado dos cálculos feitos, a pedido do Valor, pelo cientista político Octavio Amorim, da Escola de Pós-Graduação em Economia, da Fundação Getúlio Vargas do Rio.
O índice de proporcionalidade do ministério Dilma - 0,61 - é exatamente o mesmo da média dos quatro gabinetes formados por Lula em seu segundo mandato. Cada gabinete representa uma formação ministerial, marcada pela inclusão ou saída de um partido do governo.
A distribuição mais ou menos equânime de ministérios entre os parceiros da coalizão é tida como um dos principais indicadores de governabilidade, ao lado do tamanho da base parlamentar aliada.
Entre janeiro e abril de 1992, ano de seu impeachment, Fernando Collor de Mello tinha um ministério cujo índice de proporcionalidade era de 0,30. Associado à falta de sustentação parlamentar - Collor contava com o apoio de apenas 26,3% da Câmara - isso refletia um presidente isolado, vulnerável, cercado de ministros sem filiação partidária e mais propenso a ser derrubado. "O governo Collor não era apenas minoritário, mas também muito mal constituído. Não à toa as consequências foram desastrosas", afirma Amorim.

Dilma, além de contar com ampla base parlamentar saída das urnas, maior que a obtida por Lula, seguiu o padrão forjado pelo antecessor, depois de erros e acertos. Em relação ao último gabinete de Lula, cuja taxa foi de 0,56, o ministério de Dilma é até um pouco mais proporcional - um aumento considerado normal e cíclico, como ressalta Amorim.
Desde a redemocratização, as duas maiores quedas de proporcionalidade estão relacionadas a fins de governo em que o presidente não teve direito a um novo mandato. Foi o caso de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso.
É o "fim de festa", quando cada partido está buscando seu caminho diante das possibilidades de realinhamento numa nova eleição.
A alta popularidade de Lula, no entanto, criou uma exceção. Diante da perspectiva de um governo de continuidade, com Dilma Rousseff, a queda foi muito menos acentuada. Enquanto a diferença entre o penúltimo (0,60) e o último (0,56) gabinetes de Lula foi de apenas 0,04, o de Itamar Franco foi de 0,26 (com a saída do PTB) e o de Fernando Henrique registrou 0,31. O então PFL, maior aliado do PSDB, abandonou o governo tucano, num cisma que já antecipava as dificuldades dos parceiros em permanecer no poder.
Collor é outra exceção, pois inverteu, duplamente, os movimentos mais comuns. A proporcionalidade de seu ministério começou em queda acentuada em relação à de Sarney e terminou em ascensão. Era uma tentativa desesperada e tardia - ao atrair PSDB, PTB e PL - de consertar a montagem de seu governo.
Para Amorim, a formação do ministério de Dilma foi bem feita. "O governo foi bem montado, nada indica que haverá riscos. Ele é muito parecido com o segundo gabinete de Lula. Faz sentido, pois é um governo de continuidade", afirma.
A proporcionalidade do ministério Dilma ocorre apesar da chamada "tendência monopolista" do PT. O comportamento da legenda é confirmado pelos números. Comparado a outros partidos presidenciais, o PT é o que mais ocupa ministérios. Enquanto no primeiro gabinete de Sarney, o PMDB estava 17% sobrerrepresentado em relação aos parceiros, e o PSDB esteve 40%, no primeiro ministério de FHC, o PT, no governo Dilma, está 77% acima de uma situação de igualdade em relação ao peso das siglas que compõem a base.
A bancada do PT na Câmara, de 88 deputados, corresponde a 27% da base aliada de 326 parlamentares, mas o partido ocupa 48% dos 37 ministérios. O PMDB contribui com 24%, mas detém 17% das pastas.
Amorim afirma que a maior presença do PT no governo reflete alguns traços característicos do partido, como a existência de várias facções que precisam ser atendidas e o fato de ser uma organização muito forte, disciplinada, e que tem presença também fora do Congresso, com vários tentáculos na sociedade civil - no sindicalismo, nos movimentos sociais, no funcionalismo, entre os intelectuais, na igreja etc.

A tendência monopolista do PT, contudo, tem sido posta à prova desde a chegada do partido ao poder em 2003. Em janeiro de 2004, Lula - depois de ter se recusado a seguir, após a vitória na eleição, a sugestão de seu futuro chefe da Casa Civil, José Dirceu - resolveu finalmente incluir o PMDB no governo, o que marcou o início de seu segundo gabinete.
Mas "trouxe mal" os pemedebistas para a coalizão, lembra o cientista político. Ao oferecer ao PMDB apenas dois ministérios, Lula gerou mais insatisfação do que contentamento ao novo parceiro. Ciente de seu peso para o sucesso do governo, o PMDB passou a cobrar pelo apoio e a reivindicar ainda mais espaço.
Geralmente, além da indicação de ministros, as moedas mais utilizadas em troca de apoio são as emendas parlamentares e os cargos de segundo e terceiro escalões. Ou mesmo pagamentos em espécie.
Estaria aí uma das explicações para a origem do escândalo do mensalão. Resistente em ceder ministérios, Lula teria trocado a estratégia de negociar o apoio no atacado e foi para o pior lado do varejo.
"Jamais saberemos o que foi exatamente o mensalão. As informações não são sólidas. Mas o descontentamento da base tem a ver indiretamente com o episódio", diz Amorim. Só depois do escândalo, Lula rendeu-se à cartilha de FHC, ou ao "livro-texto do presidencialismo de coalizão", segundo expressão cunhada pelo cientista político inglês Timothy Power. Fernando Henrique, além de ter costurado uma base ampla, a contentou com uma distribuição proporcional, cujo índice, de 0,70, no primeiro gabinete do segundo mandato, é o maior até hoje.
Amorim reconhece que o indicador de proporcionalidade tem limitações pois se baseia apenas no número de ministérios e não na importância deles. Mas argumenta que a adoção de outro critério, como o orçamento, também não captaria o peso de pastas como Casa Civil e Relações Exteriores, que formam a linha de frente do governo, mas têm baixa dotação orçamentária.
O pesquisador considera que a boa distribuição de ministérios aos aliados é uma questão prioritária. Talvez mais que a formação de coalizões supermajoritárias, que se transformaram numa obsessão. Governos minoritários, em sua opinião, não deveriam ser descartados.
"É uma experiência que vale a pena ser tentada. Há quem defenda que Lula não deveria ter chamado o PMDB, em 2004. Poderia ter continuado sem uma maioria folgada no Parlamento. Negociaria ponto a ponto com a oposição, em bases programáticas, como fez na reforma da Previdência, em 2003", diz.
Uma das evidências de que problemas de governabilidade são inevitáveis - formando-se ou não um ampla base de apoio - é que, hoje, o centro gravitacional do conflito teria se deslocado dos embates entre oposição e o governo para confrontos no interior da base.
Não é à toa, lembra Amorim, que a indisciplina do PDT - numa votação do salário mínimo em que o governo venceu por boa margem - tenha recebido mais atenção do Palácio do Planalto do que os movimentos da enfraquecida oposição
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Vale a pena ler

O jovem e inquieto mundo árabe
O câmbio valorizado veio para ficar
Taxation policy: Appropriating the surplus
Egypt and democracy: yes, they can
Os bons obstáculos para o Brasil
Tribunais importam?
No ano em que se completam vinte anos da primeira edição de Hollow Hope: Can Courts Bring About Social Change? (University of Chicago Press, 1991), em que Gerald N. Rosenberg se tornou famoso por desafiar praticamente uma geração inteira de juristas e cientistas políticos ao afimar que o impacto das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos era muito menor que o esperado, Matthew Eric Kane Hall acaba de lançar no Encontro Anual da Midwest Political Science Association uma audaciosa tentativa de revisão desta perspectiva. Ao invés de se restringir apenas a casos considerados paradigmáticos, como fizera Rosenberg, em The Nature of Supreme Court Power (Cambridge University Press, 2011) os recortes temporal e espacial são significativamente mais amplos, lançando nova luz sobre o problema. Desta forma, o autor é capaz de concluir de forma muito mais nuançada, inclusive minimizando os alegados problemas de implementação das decisões do tribunal, ponto crucial em Hollow Hope. Certamente, o trabalho revisão já havia começado anos antes, com o seminal The Rights Revolution, de Charles R. Epp (University of Chicago Press, 1998), mas parece ganhar novo impulso com este lançamente que, ademais, não se restringe a propor uma revisão apenas sobre o impacto das decisões do tribunal, mas também reexamina os fatores que influenciam a própria tomada de decisão no âmbito da corte. Em consoância também com trabalho anterior, neste caso de Thomas M. Keck (“Party, Policy, or Duty?”, artigo publicado na American Political Science Review, em 2007), Matthew Eric Kane Hall propõe nova abordagem para a questão, particularmente minimizando os efeitos do partidarismo das decisões da corte, alegadamente dividida entre conservadores e liberais.

Link para o site da Cambridge University Press: http://www.cup.es/aus/catalogue/catalogue.asp?isbn=1107001439


    

Atlas Político do Rio Grande do Sul

O resultado pretendido com esta pesquisa é a elaboração de um Atlas Político do Rio Grande do Sul. Em suas diferentes versões disponibilizadas para consultores, autoridades e público em geral, (impressa, mídia eletrônica, internet) o Atlas deverá reunir informações sobre os municípios do Rio Grande do Sul referentes a cinco tipos de indicadores: [a] série histórica 1945-2008 com resultados eleitorais e composição dos Poderes Executivo e Legislativo municipais; [b] administração pública municipal: proporção de funcionários ativos em relação à população, composição do funcionalismo municipal (tipo de cargos, escolaridade), gastos com pessoal; [c] Finanças municipais: receita, investimentos, transferências constitucionais e voluntárias; [d] políticas públicas: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), existência de plano diretor, lei de zoneamento, regularização fundiária, lei do solo, licenciamento ambiental, Conselhos de política urbana, habitação e meio-ambiente e seu funcionamento, consórcios inter-municipais, comitês de bacias hidrográficas, segurança [e] demográficos: população, proporção de população urbana, IDH, Índice Gini.

Financiamento: CNPq, Fapergs
Equipe: Maria Izabel Noll [UFRGS], André Marenco [UFRGS], Angela Quintanilha [Unipampa], Gustavo Muller [UFSM], Ligia Madeira [UFRGS], Luis Gustavo Grohmann [UFRGS], Mauricio Moya [UFRGS], Naiara Dal Molin [Unipampa], Rafael Madeira [PUC], Adriana Lameirão [UFRGS], Graça Godinho [UFRGS], Lana Falk [UFRGS], Manoel Passos [UFRGS].