Ministério de Dilma segue cartilha de Lula


Cristian Klein,  Valor Econômico 
O PMDB reclamou, o PSB não ficou muito contente, mas o primeiro ministério da presidente Dilma Rousseff é tão proporcional ao peso das bancadas dos partidos aliados na Câmara dos Deputados quanto foi o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse é o resultado dos cálculos feitos, a pedido do Valor, pelo cientista político Octavio Amorim, da Escola de Pós-Graduação em Economia, da Fundação Getúlio Vargas do Rio.
O índice de proporcionalidade do ministério Dilma - 0,61 - é exatamente o mesmo da média dos quatro gabinetes formados por Lula em seu segundo mandato. Cada gabinete representa uma formação ministerial, marcada pela inclusão ou saída de um partido do governo.
A distribuição mais ou menos equânime de ministérios entre os parceiros da coalizão é tida como um dos principais indicadores de governabilidade, ao lado do tamanho da base parlamentar aliada.
Entre janeiro e abril de 1992, ano de seu impeachment, Fernando Collor de Mello tinha um ministério cujo índice de proporcionalidade era de 0,30. Associado à falta de sustentação parlamentar - Collor contava com o apoio de apenas 26,3% da Câmara - isso refletia um presidente isolado, vulnerável, cercado de ministros sem filiação partidária e mais propenso a ser derrubado. "O governo Collor não era apenas minoritário, mas também muito mal constituído. Não à toa as consequências foram desastrosas", afirma Amorim.

Dilma, além de contar com ampla base parlamentar saída das urnas, maior que a obtida por Lula, seguiu o padrão forjado pelo antecessor, depois de erros e acertos. Em relação ao último gabinete de Lula, cuja taxa foi de 0,56, o ministério de Dilma é até um pouco mais proporcional - um aumento considerado normal e cíclico, como ressalta Amorim.
Desde a redemocratização, as duas maiores quedas de proporcionalidade estão relacionadas a fins de governo em que o presidente não teve direito a um novo mandato. Foi o caso de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso.
É o "fim de festa", quando cada partido está buscando seu caminho diante das possibilidades de realinhamento numa nova eleição.
A alta popularidade de Lula, no entanto, criou uma exceção. Diante da perspectiva de um governo de continuidade, com Dilma Rousseff, a queda foi muito menos acentuada. Enquanto a diferença entre o penúltimo (0,60) e o último (0,56) gabinetes de Lula foi de apenas 0,04, o de Itamar Franco foi de 0,26 (com a saída do PTB) e o de Fernando Henrique registrou 0,31. O então PFL, maior aliado do PSDB, abandonou o governo tucano, num cisma que já antecipava as dificuldades dos parceiros em permanecer no poder.
Collor é outra exceção, pois inverteu, duplamente, os movimentos mais comuns. A proporcionalidade de seu ministério começou em queda acentuada em relação à de Sarney e terminou em ascensão. Era uma tentativa desesperada e tardia - ao atrair PSDB, PTB e PL - de consertar a montagem de seu governo.
Para Amorim, a formação do ministério de Dilma foi bem feita. "O governo foi bem montado, nada indica que haverá riscos. Ele é muito parecido com o segundo gabinete de Lula. Faz sentido, pois é um governo de continuidade", afirma.
A proporcionalidade do ministério Dilma ocorre apesar da chamada "tendência monopolista" do PT. O comportamento da legenda é confirmado pelos números. Comparado a outros partidos presidenciais, o PT é o que mais ocupa ministérios. Enquanto no primeiro gabinete de Sarney, o PMDB estava 17% sobrerrepresentado em relação aos parceiros, e o PSDB esteve 40%, no primeiro ministério de FHC, o PT, no governo Dilma, está 77% acima de uma situação de igualdade em relação ao peso das siglas que compõem a base.
A bancada do PT na Câmara, de 88 deputados, corresponde a 27% da base aliada de 326 parlamentares, mas o partido ocupa 48% dos 37 ministérios. O PMDB contribui com 24%, mas detém 17% das pastas.
Amorim afirma que a maior presença do PT no governo reflete alguns traços característicos do partido, como a existência de várias facções que precisam ser atendidas e o fato de ser uma organização muito forte, disciplinada, e que tem presença também fora do Congresso, com vários tentáculos na sociedade civil - no sindicalismo, nos movimentos sociais, no funcionalismo, entre os intelectuais, na igreja etc.

A tendência monopolista do PT, contudo, tem sido posta à prova desde a chegada do partido ao poder em 2003. Em janeiro de 2004, Lula - depois de ter se recusado a seguir, após a vitória na eleição, a sugestão de seu futuro chefe da Casa Civil, José Dirceu - resolveu finalmente incluir o PMDB no governo, o que marcou o início de seu segundo gabinete.
Mas "trouxe mal" os pemedebistas para a coalizão, lembra o cientista político. Ao oferecer ao PMDB apenas dois ministérios, Lula gerou mais insatisfação do que contentamento ao novo parceiro. Ciente de seu peso para o sucesso do governo, o PMDB passou a cobrar pelo apoio e a reivindicar ainda mais espaço.
Geralmente, além da indicação de ministros, as moedas mais utilizadas em troca de apoio são as emendas parlamentares e os cargos de segundo e terceiro escalões. Ou mesmo pagamentos em espécie.
Estaria aí uma das explicações para a origem do escândalo do mensalão. Resistente em ceder ministérios, Lula teria trocado a estratégia de negociar o apoio no atacado e foi para o pior lado do varejo.
"Jamais saberemos o que foi exatamente o mensalão. As informações não são sólidas. Mas o descontentamento da base tem a ver indiretamente com o episódio", diz Amorim. Só depois do escândalo, Lula rendeu-se à cartilha de FHC, ou ao "livro-texto do presidencialismo de coalizão", segundo expressão cunhada pelo cientista político inglês Timothy Power. Fernando Henrique, além de ter costurado uma base ampla, a contentou com uma distribuição proporcional, cujo índice, de 0,70, no primeiro gabinete do segundo mandato, é o maior até hoje.
Amorim reconhece que o indicador de proporcionalidade tem limitações pois se baseia apenas no número de ministérios e não na importância deles. Mas argumenta que a adoção de outro critério, como o orçamento, também não captaria o peso de pastas como Casa Civil e Relações Exteriores, que formam a linha de frente do governo, mas têm baixa dotação orçamentária.
O pesquisador considera que a boa distribuição de ministérios aos aliados é uma questão prioritária. Talvez mais que a formação de coalizões supermajoritárias, que se transformaram numa obsessão. Governos minoritários, em sua opinião, não deveriam ser descartados.
"É uma experiência que vale a pena ser tentada. Há quem defenda que Lula não deveria ter chamado o PMDB, em 2004. Poderia ter continuado sem uma maioria folgada no Parlamento. Negociaria ponto a ponto com a oposição, em bases programáticas, como fez na reforma da Previdência, em 2003", diz.
Uma das evidências de que problemas de governabilidade são inevitáveis - formando-se ou não um ampla base de apoio - é que, hoje, o centro gravitacional do conflito teria se deslocado dos embates entre oposição e o governo para confrontos no interior da base.
Não é à toa, lembra Amorim, que a indisciplina do PDT - numa votação do salário mínimo em que o governo venceu por boa margem - tenha recebido mais atenção do Palácio do Planalto do que os movimentos da enfraquecida oposição
.