Reflexões sobre Deslocamentos Populacionais no Brasil

IBGE
A partir da década de 1980, o comportamento da mobilidade espacial da população sofreu importantes transformações nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil, surgiram novos eixos de deslocamentos envolvendo expressivos contingentes populacionais, onde se destacam a inversão nas correntes principais nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, a redução da atratividade migratória exercida pelo estado de São Paulo, o aumento da retenção de população na região Nordeste, os novos eixos de deslocamentos populacionais em direção às cidades médias no interior do país, o aumento da importância dos deslocamentos pendulares (para trabalhar e/ou estudar), o esgotamento da expansão da fronteira agrícola e a migração de retorno para o Paraná.
Esses e outros aspectos são abordados na publicação “Deslocamentos Populacionais no Brasil”, uma coletânea de estudos sobre mobilidade populacional que abrange o debate teórico atual em torno desse tema e faz uma análise dos movimentos migratórios inter-regionais e interestaduais no Brasil entre 1995 e 2000 (com dados do Censo 2000) e nos períodos 1999/2004 e 2004/2009 (a partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD).
São seis artigos elaborados pelo Grupo Transversal de Estudos do Território e Mobilidade Espacial da População (GEMOB), que reúne pesquisadores da Diretoria de Pesquisas, da Diretoria de Geociências e da Unidade Estadual de Minas Gerais do IBGE. O primeiro texto apresenta as abordagens teóricas que tratam do tema. O artigo seguinte analisa os deslocamentos populacionais nos anos 2000, utilizando dados dos Censos e das PNADs. O terceiro texto faz um panorama de como as migrações internas foram investigadas nos Censos Demográficos de 1970 a 2010. O quarto artigo trata de reflexões sobre a mobilidade pendular. Os dois últimos textos estão voltados para o tratamento empírico do fenômeno migratório, analisando os possíveis usos da informação sobre a emigração internacional, incluída no Censo 2010, e propondo um conjunto de variáveis que devem ser investigadas.
A publicação completa pode ser acessada na página http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/reflexoes_deslocamentos/deslocamentos.pdf.
Volume de migrações entre as regiões reduziu-se na última década
As edições da PNAD de 2004 e 2009 investigaram onde o pesquisado morava cinco anos antes da data de referência. Os dados mostram que o volume da migração inter-regional envolveu 2,8 milhões de pessoas no quinquênio 1999-2004 e 2 milhões de pessoas entre 2004 e 2009. Esse volume envolveu cerca de 3,3 milhões de pessoas no quinquênio 1995-2000 (dados do Censo Demográfico 2000). As principais correntes migratórias observadas no passado estão perdendo intensidade e se observa também um movimento de retorno às regiões de origem.
Constatou-se a perda de capacidade de atração populacional na região Sudeste, que apresentou saldo negativo de migrantes tanto em 2004 quanto em 2009. O Nordeste continua perdendo população, porém em uma escala bem menor que no passado:
O Índice de Eficácia Migratória (IEM) mede a capacidade de atração, evasão ou rotatividade migratória e é obtido através da relação entre o saldo migratório e o volume total de migrantes (imigrantes + emigrantes). Esse indicador permite a comparação entre os estados, independentemente do volume absoluto da imigração e da emigração. A análise do IEM dos estados obedeceu a classificação abaixo.
O IEM das Unidades da Federação revelou que metade delas são áreas de rotatividade migratória, ou seja, têm fluxos de saída e entrada semelhantes. Mesmo aquelas que no passado eram consideradas áreas expulsoras ou potencialmente atrativas se tornaram áreas onde as trocas entre imigrantes e emigrantes foram equilibradas. Em geral, observou-se uma tendência de diminuição do volume dos fluxos migratórios em todas as Unidades da Federação.
Os estados em que a migração de retorno foi mais expressiva em 2009 foram Rio Grande do Sul (23,98%), Paraná (23,44%), Minas Gerais (21,62%), Sergipe (21,52%), Pernambuco (23,61%), Paraíba (20,95%) e Rio Grande do Norte (21,14%).
A tabela a seguir mostra os saldos migratórios, o IEM e a participação dos imigrantes de retorno no total imigrantes por UF em 2004 e 2009:
Na região Norte, Amazonas, Roraima e Pará mudaram sua classificação quanto à capacidade de absorção migratória. O Amazonas passou de área de rotatividade para baixa absorção migratória entre 2004 e 2009, período em que mais de 40% dos seus imigrantes eram oriundos do Pará. Esse estado deixou de ser área de baixa atração e passou a ter baixa evasão populacional, tendo o Maranhão como seu principal destino. O estado de Roraima, que em 2000 era o único que apresentava um indicador de forte absorção migratória, passou a ter média absorção em 2004 e rotatividade migratória em 2009. O que sinaliza uma tendência de redução no volume de pessoas e, possivelmente, dos fluxos migratórios que se destinam a esse estado.
No Nordeste, os estados do Piauí, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba experimentaram um arrefecimento em sua capacidade de absorver população. Áreas antes consideradas de rotatividade migratória, como Piauí e Alagoas, se tornaram áreas de baixa e média evasão migratória, respectivamente; e os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba reduziram sua capacidade de absorver população. Bahia e Maranhão continuaram como regiões expulsoras de população, embora com índice classificado como de baixa evasão migratória. Sergipe, Pernambuco e Ceará foram classificados como áreas de rotatividade migratória.
Os estados da região Sudeste caracterizam-se por serem regiões de rotatividade migratória, sendo que o Espírito Santo passou a atrair população classificando-se como uma área de média absorção migratória e o Rio de Janeiro, antes de baixa evasão, tornou-se área de rotatividade migratória, embora tendo apresentado saldo negativo.
Na região Sul, o Paraná passou de um pequeno saldo negativo para positivo, porém não alterando sua classificação quanto à capacidade de absorção migratória, que continuou como área de rotatividade, sendo São Paulo e Santa Catarina as maiores contribuições de imigrantes para o Paraná. Santa Catarina continuou com uma região de baixa absorção, com mais de 80% dos imigrantes oriundos de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Já esta Unidade da Federação passou de baixa evasão para rotatividade migratória, tendo com Santa Catarina as trocas mais significativas.
No Centro-Oeste o que chamou mais atenção foi a mudança do Distrito Federal de área de baixa evasão populacional em 2004, época em que a população se expandiu ocupando os municípios goianos localizados no entorno da capital, para área de rotatividade migratória em 2009, com a redução desses deslocamentos; o estado de Goiás caracterizou-se por receber grandes quantidades de migrantes de vários estados, além do Distrito Federal, podem-se citar Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Tocantins e Maranhão, sendo classificado como área de média absorção migratória. Mato Grosso do Sul e Mato Grosso foram áreas consideradas de rotatividade migratória, tendo sido o Mato Grosso no quinquênio 1999-2004 considerado de média absorção migratória.
Censo 2010: cidades com menos de 500 mil habitantes são as que mais crescem
Os resultados divulgados do Censo Demográfico de 2010 apresentam apenas os volumes populacionais desagregados por município. Com esses dados é possível estabelecer os eixos de crescimento populacional no país e especular sobre áreas que ganham ou perdem população, de modo a inferir se houve alteração no comportamento dos deslocamentos de população na década passada. Verificou-se que as cidades com menos de 500 mil habitantes são as que mais crescem no país, o que demonstra a influência da migração, muito embora as grandes cidades continuem concentrando parcela expressiva da população (aproximadamente 30%). O ritmo de fragmentação do território foi menos intenso que nas décadas passadas, tendo sido instalados 58 municípios, contra 501 nos anos 1980 e 1.016 nos anos 1990.
Analisando a evolução do crescimento dos municípios, é possível verificar que 27% deles, parcela expressiva desses com até 10 mil habitantes, perdem população e, do ponto de vista do desenvolvimento, representam espaços estagnados. Entre esses, quase todos tiveram, no ano de 2008, Produto Interno Bruto (PIB) per capita muito baixo. No estrato de municípios com decréscimos populacionais, quatro cidades consideradas de porte médio podem ser destacadas: Foz de Iguaçu (PR), Ilhéus (BA), Lages (SC) e Uruguaiana (RS).
Com crescimento nulo ou baixo (até 1,5% ao ano) surgem cerca de 46% dos municípios. Esse desempenho pode ser atribuído aos níveis mais baixos da fecundidade e à pouca atratividade populacional exercida por esses espaços, aqui incluídas 23 cidades consideradas de grande porte. Nesse conjunto, prevalece a combinação de PIB baixo e áreas muito adensadas. Por exemplo, os núcleos das nove tradicionais regiões metropolitanas, no período, registraram taxas abaixo de 1,5% ao ano, sendo que Porto Alegre apresentou o pior desempenho, com taxa de 0,4%. Rio de Janeiro e São Paulo tiveram variações próximas a 0,8%.
Na faixa de crescimento entre 1,5% e 3% ao ano aparece algo próximo a 19% dos municípios, basicamente de tamanho médio e com PIB um pouco mais elevado, quando comparado ao estrato anterior. Nesse grupo também se encontram 15 cidades de grande porte, sendo nove capitais (Brasília, Manaus, Goiânia, São Luís, Maceió, Teresina, Campo Grande, João Pessoa e Aracaju) e seis do interior (São José dos Campos, Ribeirão Preto, Uberlândia, Sorocaba, Feira de Santana, Joinville).
Entre as cidades com altas taxas de crescimento (8% do total), nenhuma possui mais de 500 mil habitantes. A explicação sobre o crescimento não fica claramente explicitada pelo tamanho do PIB per capita, muito embora os municípios com os melhores indicadores encontrem-se neste estrato.
Deslocamentos populacionais exigem novas abordagens
O tema migração tem incorporado novos quesitos a cada Censo desde os anos 1970, período em que aprofunda a internacionalização da economia e sociedade brasileiras. No geral, os últimos cinco censos incorporaram a maioria dos quesitos relevantes para o estudo das migrações internas.
Um dos desafios atuais é estimar números sobre brasileiros que vivem no exterior e de imigrantes internacionais vivendo no Brasil, já que parte significativa desses fluxos migratórios é constituída do que se convencionou chamar de “ilegais” ou “clandestinos”. Os movimentos pendulares também precisam de novas abordagens, pois explicações focadas somente nas condições econômicas e educativas não conseguem explicar totalmente a complexidade do fenômeno.
O Censo Demográfico de 2010 abordou pela primeira vez a emigração internacional de brasileiros. Já a PNAD Contínua, que se encontra em fase de planejamento, pode vir a detalhar os movimentos pendulares no seu questionário básico e ter um módulo periódico sobre migrações, tratando sobre trajetórias migratórias, redes sociais, motivação e perfil educacional e laboral.