A revolução política no Nordeste
Luis Nassif
Coluna Econômica - 25/06/2011
Nos últimos anos houve uma revolução política no Nordeste, talvez pouco percebida quando olhada isoladamente. Houve uma mudança de geração, com jovens políticos substituindo antigos coronéis que dominaram por anos a cena local. Foi assim com Eduardo Campos, em Pernambuco, Marcelo Déda, em Sergipe, Teotônio Villela Filho, em Alagoas, Cid Gomes, do Ceará, Jacques Wagner, da Bahia, entre outros.
Essa renovação atingiu especialmente a antiga esquerda nordestina pré-64, que ainda sobrevivia dos mitos de Arraes, das Ligas Camponesas e das lutas sociais do período.
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Nenhum deles quer perder o antigo legado, que julgam honroso e histórico. Deda, por exemplo, fez questão de tomar posse no mesmo velho e abandonado palácio onde tomou posse o último governador sergipano antes de 1964, Seixas Dória. Neto de Arraes, Campos preserva com carinho a imagem do “painho” Arraes, cultivada por todo o interior de Pernambuco. Mas todos eles, indistintamente, representam uma ruptura com o antigo legado da esquerda, especialmente da nordestina.
“Nós defendemos a gestão, o planejamento, a busca de eficiência”, explica Deda. “Ajudamos a libertar a região das oligarquias locais mas não pretendemos entregá-la ao corporativismo: nosso projeto é atender a maior parte da população”.
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Agora mesmo, Deda enfrenta uma greve de professores, apesar de Sergipe pagar o quarto maior salário para professores do Brasil. E também problemas na Polícia Militar, que tem o segundo maior salário, atrás apenas do Distrito Federal. E isso devido a temas como responsabilidade social, políticas sociais universais, desenvolvimento e outros terem entrado definitivamente no seu repertório.
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O caso de Sergipe é emblemático. Até os anos 60 era controlado com mão de ferro pela família Augusto Franco. Nos anos 70, a urbanização de Aracaju permitiu o aparecimento de João Alves, um fenômeno local posto que negro, egresso do setor imobiliário – na ocasião o mais moderno do estado, mas despregado do poder do velho coronelato.
Alves empreendeu uma ampla modernização em Sergipe, com obras de infraestrutura, criação de um clima favorável à expansão de Aracaju, na época já beneficiada pelo avanço da Petrobras e da indústria extrativa mineral.
Depois, Alves acabou se aliando a Albano Franco, filho de Augusto. Conseguiu também a adesão de Jackson Barreto, egresso do grupo dos autênticos do velho MDB. Com isso, a oposição caiu no colo do PT. Deda aproveitou a onda, tornou-se deputado estadual, depois federal, prefeito de Aracaju e, em 2006, governador, derrotando Alves e Franco.
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O grande desafio atual é a montagem de uma estratégia de desenvolvimento para o Estado. E aí entra em jogo a questão da guerra fiscal – demonizado pelas forças do sudeste.
Sergipe é um estado com 22 mil km2 e 2,3 milhões de habitantes. A dimensão do seu mercado, por si, não atrai grandes grupos, ao contrário do vizinho Bahia que é quase um país.
A saída foi trabalhar com a ideia de Sergipe como posição estratégia para acessar parte dos mercados da Bahia, Alagoas e Pernambuco. O lema passou a ser: temos 2,3 milhões de consumidores em Sergipe e 30 milhões nos estados vizinhos, prontos para adquirir nossos produtos.
A estratégia logística
O segundo passo foi identificar as cadeias produtivas mais promissoras: fertilizantes, alimentos, calçados, têxteis, gás e petróleo. Para tanto, foi fundamental desenvolver a infraestrutura de estradas com os investimentos do PAC, especialmente na BR 101 (norte-sul) e 235 (leste-oeste) e acrescentou mais R$ 400 milhões de recursos próprios para recuperar as demais rodovias estaduais, dando ênfase àquelas que iam aos estados vizinhos.
Qualidade de vida
Acenou-se também com as condições de vida do estado e de Aracaju. Hoje em dia, Sergipe disputa com Rio Grande do Norte o título de melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do nordeste, além de maior PIB per capita da região. Além disso, em todas essas décadas houve avanços. Hoje em dia a atividade rural representa apenas 7% do PIB, dominado por serviço, indústria extrativista e indústrias manufatureiras tradicionais.
Revolução social
As políticas sociais beneficiaram Sergipe, assim como outros estados nordestinos. O grande fator a injetar recursos na região, segundo Deda, foi o aumento do salário mínimo. E também o avanço do minifúndio. A agricultura familiar passou a ter um papel fundamental na economia sergipana. Visitei o estado nos anos 90. A política social na época consistia em dar um casal de bodes para cada família no campo.
Agricultura familiar
O grande fenômeno no estado foi ter se tornado o segundo maior produtor de milho do nordeste, com 60% da produção proveniente da agricultura familiar, parte considerável das quais de assentamentos de reforma agrária. Para contornar a burocracia do INCRA, Deda acertou direto com a Presidência da República o assentamento de 1.100 famílias, fazendo em um ano o que o INCRA levaria no mínimo dez.
Incentivo fiscal
Em todo esse processo, foi fundamental uma política de incentivos fiscais – caso contrário nenhuma empresa viria para o nordeste. Agora, já se tem um mercado razoável, a infraestrutura melhorou, a região está mais próxima do mercado externo, África, Estados Unidos e Europa. Deda sabe que o sistema de incentivos esgotou, na medida em que todos os estados passaram a recorrer a ele. Mas considera que a mudança tem que ser gradativa